Agentes de Acompanhamento na Cabina de Condução e Agentes de Acompanhamento no Comboio
Agentes de Acompanhamento na Cabina de Condução e Agentes de Acompanhamento no Comboio
Tem ocorrido ultimamente, particularmente no seio da CP, intensa discussão sobre a necessidade de certificação da função de “Agente de Acompanhamento” e quais as categorias habilitadas para a exercer. O SMAQ, como parte interessada no sistema de segurança ferroviário, não podia deixar de participar e expressar a sua opinião, tendo como intuito principal a segurança das circulações e das pessoas e bens que transportam, além, naturalmente, da segurança dos seus representados.
O SMAQ já publicou, através dos seus meios na Internet, um documento de análise sobre a temática a que chamou “Posição do SMAQ sobre a questão dos Agentes de Acompanhamento na Cabina de Condução das Locomotivas Diesel da série 1400 na CP” [1]. É neste contexto, para promover o debate, e com o desígnio de contribuir para a melhoria do sistema de segurança ferroviária, aprofundando a cultura de segurança que todos devemos exponenciar, mas sem perder de vista a necessidade de uma organização eficiente e financeiramente sustentável dos operadores, que produzimos o presente texto.
O IMT, através do Regulamento Provisório de Certificação de Maquinistas e Agentes de Acompanhamento, aprovado pelo Conselho Diretivo do IMTT, I.P. em 10.08.2012 [2], estabeleceu as condições e os procedimentos para a certificação destes agentes ferroviários.
Nesse mesmo regulamento (artigo 4.º) define Agente de Acompanhamento como “pessoa capaz e autorizada para realizar o acompanhamento de comboios nas cabinas das unidades motoras”. Isto é, estabelece uma clara distinção entre agentes de acompanhamento que prestam as suas funções exclusivamente no comboio/composição – para os quais não exige certificação emitida pelo IMT – e agente de acompanhamento na cabina de condução, para os quais estabelece uma certificação obrigatória emitida pela autoridade nacional de segurança ferroviária. O SMAQ considera que andou avisado o regulador quando considerou esta distinção.
Conhecer a regulamentação geral ferroviária é diferente da condução de comboios. Na condução de comboios a interpretação dos regulamentos é apenas uma fração da função de condução. O conhecimento da linha, do seu sistema de exploração, do posicionamento da sinalização na via, das características especiais de estações e outras dependências, da orografia do terreno e o perfil da via a percorrer, são aspetos fundamentais para uma condução eficiente e, sobretudo, segura. A maioria destas competências, além do conhecimento teórico, exigem uma prática continuada que não é compatível com viagens ocasionais e irregulares nas cabinas de condução. Por esta razão, e bem, o regulador estabelece uma clara distinção entre acompanhamento de comboios na composição e acompanhamento de comboios na cabina de condução.
A este propósito podemos citar, por exemplo, a legislação e regulamentação espanhola [3], que considera a existência de duas especializações distintas na função de agente de acompanhamento a que chamam “Auxiliar de Cabina”. São estas:
- – A especialização de alcance básico, normalmente a necessária para os agentes de acompanhamento no comboio, permite que estes agentes prestem conjunturalmente auxílio ao maquinista em caso de avaria, após início da marcha, de equipamentos de segurança embarcados, ficando, no entanto, a marcha do comboio sujeita às respetivas restrições
- – A especialização de alcance específico, para a qual é exigida uma carga formativa superior [4], permite a este agente auxiliar o maquinista na cabina de condução quando o comboio circula em infraestrutura não equipada com um sistema de exploração e sistemas de proteção ativa do comboio compatíveis com a dispensa do segundo agente na cabina de condução.
Transportando para a realidade do nosso sistema ferroviário, a especialização de alcance básico aplica-se nos casos de avaria superveniente de Homem Morto e Convel, que ocorrem em marcha, e são, por norma, desempenhadas por operadores de revisão e venda ou outros operadores comerciais. A especialização de alcance específico, que não se limita a colmatar parcialmente a ausência de um equipamento de segurança, tem funções mais estruturais de colaboração na condução do comboio, e exigem, sobretudo, um conhecimento mais profundo, fruto de prática continuada, dos itinerários a percorrer e do material motor a operar. Esta especialização, no nosso sistema, é, por norma, desempenhada pelos agentes de acompanhamento dos operadores Medway e Takargo, possuidores de certificação válida emitida pelo IMT para agentes de acompanhamento na cabina de condução, e, na CP, pelos maquinistas no caso das locomotivas cuja cabina não tem uma posição frontal e não permitem uma boa visibilidade sobre a via.
Como se comprova, mais uma vez, o IMT ao distinguir claramente o acompanhamento permanente na cabina de condução do acompanhamento no comboio, apenas com prestações ocasionais e circunstanciais na cabina de condução, seguiu as melhores práticas internacionais. É, em nome da segurança das circulações, a interpretação que o SMAQ defende: estes agentes devem ter uma formação distinta, mais aprofundada, e uma certificação obrigatória emitida pela autoridade nacional de segurança ferroviária.
Como já referimos no documento que citamos acima [1], ao SMAQ não cabe determinar quais as categorias profissionais que a CP, no caso das locomotivas 1400 e 1500, formará para exercerem a função de agentes de acompanhamento na cabina de condução. Cabe-nos promover que a legislação e os regulamentos sejam respeitados e a segurança das circulações garantida.
No entanto, não nos isentamos igualmente de considerar que a CP deve escolher para esta função as categorias tecnicamente mais bem preparadas, nomeadamente quanto às unidades motoras e material rebocado, e que possam ainda adicionar tarefas operacionais suplementares, conjugando assim a obrigação de garantir a incontornável segurança das circulações com os necessários ganhos de produtividade.
Lisboa, 28 de outubro de 2020
A Direção do SMAQ
Referências:
[1] Posição do SMAQ sobre a questão dos Agentes de Acompanhamento na Cabina de Condução das Locomotivas Diesel da série 1400 na CP. SMAQ, 2020 (https://smaq.pt/2020/10/01/posicao-do-smaq- sobre-a-questao-dos-agentes-de-acompanhamento-na-cabina-de-conducao-das-locomotivas-diesel-da- serie-1400-na-cp/)
[2] Regulamento Provisório de Certificação dos Maquinistas e dos Agentes de Acompanhamento de Comboios, aprovado pelo Conselho Diretivo do IMT, P. em 10.08.2012. (http://www.imt- ip.pt/sites/IMTT/Portugues/TransportesFerroviarios/CaminhodeFerro/CertificacaodePessoal/D ocuments/RegulamentoProvisorioCertificacaoMaquinistas_26julho2012.pdf)
[3] Ministério de Fomento de Espanha: Orden FOM/2872/2010, de 5 de noviembre (https://boe.es/buscar/pdf/2010/BOE-A-2010-17236-consolidado.pdf)
[4] Regulación del Auxiliar de Cabina, Semaf Informa º 20/2016. SEMAF, 2016 (https://www.semaf.org/wp-content/uploads/2019/05/sin022016020.pdf)